Com um ministério à vista, Gleisi ganha força como aposta arriscada de Lula

Com 2026 no horizonte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara para as próximas semanas uma reforma ministerial decisiva para os rumos da segunda metade do seu governo. O desafio de recuperar uma popularidade em queda, a necessidade de rearrumar as forças após a eleição para as presidências da Câmara e Senado, além da demanda pela consolidação de políticas robustas que sejam efetivamente assimiladas pela população, pressionam o presidente a fazer escolhas certeiras na Esplanada. Em Brasília, não faltam especulações sobre essa iminente dança das cadeiras. Uma das mudanças, no entanto, já é dada como praticamente certa: a presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, vai comandar uma pasta. Lula e ela já conversaram sobre o assunto em janeiro e o presidente, em entrevista coletiva na semana passada, apesar de se esquivar sobre possíveis mexidas no alto escalão, fez questão de elogiar a companheira, dizendo que Gleisi “tem condição de ser ministra de muitos cargos”. Se a especulação for confirmada, o presidente terá ao seu lado daqui em diante uma das mais estridentes vozes na defesa das bandeiras do PT. Em algumas declarações recentes, aliás, a deputada comportou-se quase como se fosse de oposição, criticando os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Fernando Haddad (Fazenda).

SUCESSÃO - Edinho Silva: perfil moderado e experiência o colocam como favorito para comandar a sigla
SUCESSÃO - Edinho Silva: perfil moderado e experiência o colocam como favorito para comandar a sigla (Claudio Gatti/.)

Não é de hoje que Gleisi sonha em liderar um ministério com projeção política, como a Casa Civil ou o Desenvolvimento Social. As articulações e conversas de bastidores, no entanto, indicam que ela irá substituir Márcio Macêdo na Secretaria-Geral da Presidência. A interlocutores, o ministro nega que esteja de saída e chegou a apresentar um plano de diretrizes para a pasta até 2026. Macêdo caiu nas graças do presidente após atuar como tesoureiro do PT durante a campanha de 2022, ocasião em que as contas foram aprovadas sem ressalvas, um feito inédito no partido. No governo, porém, a avaliação é que deixou a desejar no comando de uma pasta estratégica.

arte Gleisi

Na gestão petista, a Secretaria-Geral tem duas atribuições principais: dialogar com os movimentos sociais e servir como os ouvidos do governo às demandas de setores variados da sociedade, reunindo elementos para aconselhar o presidente sobre riscos e oportunidades. Segundo boa parte dos petistas, Macêdo falhou em ambas as funções. Já Gleisi, que está na presidência do PT desde 2017, tem trânsito com entidades representativas de classe e conseguiu reunir a militância digital — uma das áreas em que o governo mais tem sofrido na disputa com a oposição. Além disso, teria mais experiência e estofo para alertar Lula sobre a conjuntura nacional. Contra ela, no entanto, pesam a imagem de radical e o problema da falta de diálogo com parcelas da sociedade fora da bolha petista.

ALVO - O ministro da Fazenda: atacado pelo esforço para chegar ao déficit zero
ALVO – O ministro da Fazenda: atacado pelo esforço para chegar ao déficit zero (Brenno Carvalho/Agência O Globo/.)

O perfil incendiário da retórica da presidente do PT na defesa das bandeiras do partido não combina com a demanda de um governo que congrega ministros de oito outras legendas e depende de uma sensível articulação com o Congresso para conquistar alguma governabilidade. Como dirigente partidária, Gleisi fez ressoar as críticas de alas internas do partido, inclusive contra o governo. Os ataques atingiram ministros petistas, em especial Fernando Haddad. Em um dos episódios mais rumorosos, a deputada saiu em defesa de uma resolução do partido que chamava a meta de déficit zero estipulada por Haddad de “austericídio”. Esse tipo de comportamento chegou a ser mencionado por Lula na coletiva da semana passada. “O pessoal diz que ela é muito radical para ser presidente do PT. Oras, para ser presidente do PT tem que falar a linguagem do PT”, afirmou. Nos bastidores, petistas consideram que as críticas públicas tiveram a anuência de Lula, conhecido por instigar disputas internas a fim de tomar as decisões por meio da mediação dos conflitos.

Há riscos evidentes na aposta, mas Lula parece convencido de que vale a pena bancar a mudança. Pessoas próximas a ele dizem que desde a saída de Flávio Dino do Ministério da Justiça o governo sente falta de um ministro “combativo”, que consiga rebater prontamente as críticas e causar desconforto na oposição. Essa seria uma das características procuradas pelo presidente ao chamar Gleisi para perto. Além disso, o discurso da deputada é afinado ao do namorado, Lindbergh Farias, novo líder do PT na Câmara.

PROBLEMA - Márcio Macêdo: necessidade de melhor interlocução com movimentos sociais coloca ministro na berlinda
PROBLEMA - Márcio Macêdo: necessidade de melhor interlocução com movimentos sociais coloca ministro na berlinda (Valter Campanato/Agência Brasil)

Além de trazer o PT para dentro do Planalto, a chegada de Gleisi acomoda os interesses de Lula na sucessão do partido. Ao assumir um ministério, Gleisi anteciparia a saída dela do comando da sigla, marcada para julho. Nesse caso, seria substituída por “mandato tampão” de um dos vice-­presidentes, que teria como prioridade organizar a disputa eleitoral interna. A função deve ser designada ao líder do governo na Câmara, José Guimarães, ou ao senador Humberto Costa. Lula quer entregar a presidência do PT ao ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva. Uma visita recente de Edinho ao prefeito do Recife, João Campos, foi entendida como uma reunião entre os futuros presidentes nacionais do PT e do PSB. Aliado de Had­dad, Edinho à frente do partido daria um tom de esquerda moderada ao PT para um momento simbólico, em que a sigla completa 45 anos.

A eventual transformação em ministra atende também aos interesses eleitorais de Gleisi, que tem planos para concorrer ao senado em 2026. A única vez em que o PT conseguiu uma cadeira no Senado pelo Paraná foi com a eleição dela, em 2010. No ano seguinte, no entanto, Gleisi se licenciou do mandato para assumir um ministério pela primeira vez. Comandou a Casa Civil do governo de Dilma Rousseff, substituindo Antonio Palocci — petista histórico que caiu em desgraça após suspeitas de enriquecimento ilícito. Na pasta, Gleisi foi figura forte na articulação política e na gestão, comandando as ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que lhe rendeu o apelido de “Dilma da Dilma”.

TAMPÃO - José Guimarães: líder pode comandar partido durante eleição interna
TAMPÃO - José Guimarães: líder pode comandar partido durante eleição interna (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

Agora, caso confirme a ida à Secretaria-Geral da Presidência, Gleisi estará em um ministério com menos poderes do que a Casa Civil e com o desafio de ajudar o governo a virar o jogo da popularidade em queda. Segundo pesquisa recente da Quaest, pela primeira vez, a avaliação negativa de Lula é superior à positiva. As tentativas de levar multidões às ruas no mais recente governo petista, como no ato organizado no 1º de Maio do ano passado, foram vexatórias. Independentemente da pasta que ocupe, Gleisi será uma ministra forte porque tem interlocução direta com Lula — no governo há ministros que se queixam de, até hoje, não terem despachado diretamente com o presidente, à exceção de reuniões conjuntas. Gleisi traz o PT para dentro do Planalto no momento em que o governo tenta colocar em prática um esforço de propaganda para melhorar sua imagem. Resta saber qual Gleisi chegará à Esplanada: a incendiária dirigente petista ou a versão conselheira sábia e pragmática de Lula.

Com Veja

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